26 de janeiro de 2010
Miguel Gontijo
Artista plástico
O ser entregue à razão encontra força na solidão.
Talvez por isso nos façamos artistas. E produzimos obras que consiste em levantar enganos nos quais a suposta realidade torna-se ingênua para se deixar enredar.
Tornamo-nos o “senhor das coisas” plasmando-as numa imobilidade intensa.
Os desenhos que o Sérgio Vaz nos mostra são feitos de personagens sem referência, esvaziados de seus cenários, que lançam dúvidas radicais sobre o princípio da realidade. Os seres estão envolvidos numa intensa imobilidade e seus gestos e atitudes estão plasmados no espaço. Estão congelados e atuando como ponto alto de uma dramaticidade, para assim, produzir todo o encanto do quadro, guardado no silêncio da imagem.
Personagens que habitam numa dimensão metafísica.
Num lugar onde as “coisas” sonham.
Essas imagens nos são apresentadas como fragmentos nítidos e cristalinos, realçando pormenores e encantamentos no esforço em capturar o que nela possui de discreto e sutil, causando, com isso, a desaparição de todo o resto e tornando-se um enigma inapreensível. Sérgio produz um simulacro com plena consciência do jogo e do artifício, acrescentando na imagem real a sua falsa realidade. Ele nos engana, engatilha armadilhas, cria engodos para nos fazer encontrar através da ilusão positiva e vital das aparências.
Só depois percebemos que fomos levados a uma terra de ninguém.
O domínio técnico em si mesmo não é garantia suficiente para dar sentido a uma obra. Sérgio executa seus grafites regidos pela precisão, na qual intenção e gesto encontram-se em absoluta consonância. Ele não incorre nos perigos de uma elegância gratuita de uma artesania bem elaborada. Ele investe numa metodologia obsessiva em que o rigor e o ato de decisão de cada traço apontam para a ação artística. Esses desenhos vêm a se equilibrar entre a objetividade formal e a superação desse valor através da adição de uma poética de cunho subjetivo e comprometido com a angústia humana. São “cenas” que parecem ressaltar a tristeza e a pequenez da vida diante da morte, dos gestos e dos pavores de seres que surgem atormentados em meio a uma luz trágica e densa como ao de uma atmosfera sem vento. Essas representações se dão através do branco/luz do papel até as diferentes gradações tonais do grafite sombrio. Nessa escala tonal Sérgio nos oferece ora um vago semblante nublado e misterioso, ora uma vaga efígie onde a claridade vai buscar na profundidade um brilho de luz. E a obra se revela em um mundo muito antes de ter ganho seu sentido de realidade, pois antes de ser representada ela é interpretada, deixando nos desenhos um foco secreto. Não sabemos o que é que produz esse foco. Não podemos fixar à hora em que o mistério se evidenciou para se anunciar como um problema.
Mas que diferença faz?
Sabemos que Sérgio foi além das representações de uma imagem e ir além da imagem é negá-la.
E ele a nega.
Nega muito bem.
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Junho de 2008
Amanda Lopes
Curadora
Claro/escuro, ausência/presença, morte/vida, apatia/reação coexistem entre tantas outras. E estão ali, ecoando no espaço branco, provocando o espectador. Este para a ocupar a posição de um dos opostos a cada dicotomia. Olha o virtuosismo da forma, que o engana. O hiper-realismo de corpos reonstruídos beira a existência, como se eles tivessem identidade. Mas são virtuais, não pertencem ao mundo dos homens. São figuras montadas pela costura de fragmentos humanos quaisquer, selecionados a dedo. Aproximam-se mais de hologramas: cada parte é tão expressiva quanto o todo. Figuras fractais silenciosas, anestesiadas... Parecem não responder a nenhum estímuloexterno porque já não lhes resta nada de interior, nenhum sopro de vida, a não ser a falta de tudo. Seus corpos são meros receptáculos do nada. Assemelham-se aos próprios recipientes vazios em que se encontram. Depósitos de solidão. Cascas ocas, imateriais. Estão cerradas em si mesmas, entregues a uma cegueira do mundo ou, quem sabe, a uma percepção tão elevada da realidade que as deixou nesse estado de latência. Será que tentarão um gesto repentino, ou já o fizeram? Uma busca do outro, um desejo de encontro de suas individualidades. Que comunicação é essa assim cifrada? Ao mesmo tempo em que não possuem o calor da vida, demonstram uma reação perturbadora que não é própria da morte física, mas da morte sensível, espiritual, expresssa pela consciência.
À medida que a mente perece tornam-se mais fortes os dilemas da existencialidade humana, da realidade, da essêncai do eu. Essas questões perturbam Sérgio Vaz a tal ponto que ele faz do desenho sua roda de discussão aberta. O espectador tem a chance de desevendar o enigma.Mas, no verso de cada parte despida, banhada de luz, encontra-se também a sombra. Como ver onde a luz não toca? Podemos apenas sondar o invisível com outros sentidos, tentando captar nuances que direcionem um rumo a seguir. Certezas e dúvidas convivem sem se tocar. E o revelado permanece no meio, inconcluso. Olhamos desenhos, mas percebemos uma atmosfera que pulsa à nossa volta e dentro de nós algo inatingível, impronunciável. Alguma coisa que respira por entre as metáforas alusivas ao que temos e o que nos faslta. Ao vazio, ao cheio.